Pronunciamento ou campanha eleitoral?
A redemocratização brasileira nos deixou um importante legado: a certeza de que a democracia é mais que um voto depositado nas urnas. Ela se baseia na garantia das liberdades e num rigoroso respeito às leis. Assim, não é possível fechar os olhos para o viés autoritário que ganha substância no governo petista.
A governança por medidas provisórias, a profunda subordinação do
Congresso, a forma como foram promovidas as mudança de marcos
regulatórios, a ausência de diálogo e as diversas tentativas de
"regulamentar" a mídia são algumas das expressões dessa perigosa
tendência.
Mas a fala da presidente da República e a lamentável utilização da rede
nacional de rádio e TV para, entre outras coisas, desqualificar os
brasileiros críticos ao seu governo é, certamente, a mais evidente
delas. Não se sabe se incomodada pela pressão das articulações que
gostariam de ver o ex-presidente Lula candidato ou com a simples
motivação de tirar o foco dos fracassos acumulados, constatados pelo
pífio resultado da economia, a presidente resolveu antecipar o debate
eleitoral.
É nesta posição que ela se permitiu propagar aos brasileiros a visão
maniqueísta de uma nação dividida ao meio, na qual os que amam o Brasil
são otimistas e estão com o governo enquanto que os que não querem o bem
do país, os "do contra", os pessimistas, estão na oposição.
Essa é uma postura que agride a diferentes gerações de democratas. É
impossível não revisitar, com ironia, a gênese petista do "quanto pior
melhor". Ou voltar no tempo para lembrar o nacionalismo canhestro dos
governos militares que buscava confundir governo com nação,
transformando a crítica em ato impatriótico e que agora ganha estranha
atualidade.
O conteúdo do pronunciamento foi atípico e agressivo.
Na parte dedicada à energia, de forma desleal, o texto transformou os
que apenas defenderam um outro caminho para a diminuição da conta de luz
--no caso a redução de tributos federais-- em adversários da ideia.
Para a construção do falso raciocínio, sonegou ao país até mesmo a
informação de que empresas estaduais criticadas aderiram à proposta do
governo nas áreas de transmissão e distribuição.
E, por ironia, são justamente os Estados governados pelo PSDB que, sem
alarde, oferecem há muitos anos as maiores isenções de ICMS na conta de
luz... O pronunciamento da presidente tem vários significados. Nenhum
deles é bom para a democracia, patrimônio de todos brasileiros.
PS - É impossível encerrar a coluna sem expressar o meu mais profundo
sentimento pela dor das famílias de Santa Maria, dor que é de todos nós
brasileiros.
AÉCIO NEVES escreve às segundas-feiras nesta coluna.